Às vezes, para fugir da realidade, eu programo. Por mais que pareça contraditório, código é uma ótima forma de expressão. Não são os caracteres que expressam intenção, nem o texto, mas a visão de cima, abstraída e longe, que vê as engrenagens da máquina rodando a mil metros de altura.
A maior parte da expressão nem mesmo envolve programar, mas planejar. Cada coisa que você coloca ou tira de um projeto é um exercício da sua opinião. No final, a ideia quase que se forma sozinha, como se o programa já existisse, e você foi apenas um meio para que ele viesse ao mundo.
Hoje eu assisti uma aranha tecer sua teia, lentamente fazendo círculos ao envolta das âncoras principais. Essa aranha já está lá a meses, talvez anos, ela sempre tece sua teia no mesmo lugar, e ela sempre está bem alimentada. Invejo ela pela vida simples, ela faz a teia, do jeito que sempre faz, e come os insetos, do jeito que sempre fez. Ela não conhece nenhuma outra aranha, não sente necessidades de um animal social. Ela tece, come e descansa. Ironicamente, eu, inserido em um mundo muito mais colorido e complexo, morro de tédio.
Hoje eu fui atropelado por uma moça de guarda-chuva, ela olhou pra mim e disse "foi mal" assustada. Eu olhei assustado, com um pão de queijo na boca, e fiquei apaixonado nela. Nunca vi ela na vida, nunca mais vou ver, e não lembro da cara dela o suficiente pra reconhecer, mas naquele instante, naquele brevíssimo intervalo de tempo, ela era tudo que eu queria.